Opinião: Nós (na diáspora) e o Roque Santeiro

Opinião: Nós (na diáspora) e o Roque Santeiro
 
Para muitos de nos, an­golanos na diáspora, o Roque Santeiro sempre foi um ponto de refe­rencia de Luanda, uma espécie de torre de Eiffel. Nos fins dos anos 80, para aqueles de nós que esta­vam contra a centralização e o controlo pelo Estado dos meios de produção, o Roque Santeiro representava uma contradição entre a retórica estatal e o espírito empreendedor dos angolanos co­muns. 
 
Por: Sousa Jamba
Fonte: Semanario Angolense
 
 
Em Londres, nos almoços do fim-de-semana, lembro-me que a um certo momento as pessoas passavam a falar do Roque como um sítio onde havia tudo – mas tudo mesmo. Lembro-me até de ver um documentário onde uma jovem prostituta falava da sua ocupação. Suspeito que se exage­rava também sobre o que se en­contrar no Roque. Ouvi alguém a dizer que se podia encontrar o software da Microsoft no Roque Santeiro antes mesmo de atingir o mercado internacional e que ha­via, naquele grande mercado, até peças sobressalentes para aviões. Lembro-me, também claramente, de alguém a dizer que havia, no Roque Santeiro, parafusos vindos directamente da NASA, sem, cla­ro, o conhecimento das autorida­des americanas. 
 
Enquanto muitos de nós viam o Roque Santeiro como uma ma­nifestação da agudeza de espírito dos angolanos, para outros, ele representava a profunda alienação que a nação tinha sofrido. Este mercado, afinal, tinha o nome de uma telenovela brasileira que já foi muito popular em Angola. Na di­áspora angolana, muitos vêem as telenovelas brasileiras como um estupefaciente que faz com que os Angolanos não estejam conscien­te da sua existência tão miserável. 
 
Nos documentários que assis­tíamos, porém, via-se no Roque muito dinamismo e gosto pela vida. Houve um tempo, nas festas de Londres, em que a noite não acabava sem se tocar aquela can­ção do Bell do Samba, intitulada «Katuta», na qual o cantor falava amplamente do Roque Santeiro; dizia que ele era a maior empresa de Angola e que muitos intelectu­ais preferiam lá ir trabalhar, para não terem que lidar com patrões. 
Mas o Roque passou também a ser sinónimo daquilo que é facil­mente acessível. 
 
Dizem-me que há mesmo fa­mílias que, ao fazerem a lista das coisas que são necessárias para o alembamento, insistem que os fa­tos não podem vir do Roque. Afi­nal o Roque tinha passado, tam­bém, a ser o local onde se vendia produtos de menor qualidade. 
Quando, há cerca de sete anos atrás, comecei a vir para Angola. Um dos primeiros lugares que vi­sitei foi o Roque Santeiro. Devo dizer que a afirmação de que o Ro­que é o maior mercado ao ar livre no continente africano é mesmo verdade. Já visitei grandíssimos mercados em vários países afri­canos, especialmente na Nigéria, Ghana e Costa do Marfim, e nada se compara ao Roque Santeiro. Na África Ocidental, há uma lon­guíssima tradição de mercados; habitualmente, em várias comu­nidades, há mesmo dias especiais dedicados somente à venda e com­pra de coisas. Como no Roque, as mulheres predominam nos mer­cados na África Ocidental. 
 
Nessa região do continente, as senhoras dos mercados são al­tamente respeitadas; durante os esforços para a obtenção da in­dependência do Ghana, em 1957, as senhoras do mercados organi­zavam-se a favor do partido de Nkwame Nkrumah. O mercado era o centro da criação das ideias e, claro, da obtenção dos bens. 
 
O Roque Santeiro, por toda a sua fama, não tinha a má reputa­ção como a do «Baraka Market» em Mogadíscio, a capital da So­mália. Aí encontrava-se todo o tipo de armas, balas e até lança granadas, assim como leite de ca­melo ou carne de cabrito. 
Em Angola, há, também, lon­guíssimas tradições de comércio. O Roque Santeiro, de uma forma, parecia, então, ser a afirmação da dimensão mercantil Angolana. 
 
Devo confessar que a minha primeira visita ao Roque Santeiro me deixou algo indisposto. É que me sinto muito desconfortável na presença de multidões; fico com a impressão de que, se algo inespe­rado acontecer, miguem vai poder controlar a situação. Também so­fro de claustrofobia; não consigo, por exemplo, conduzir dentro de túneis. (Mesmo ver um filme com gente num submarino põe-me mal). 
 
No Roque Santeiro, senti que tudo era apertado de mais. Depois havia a carne à venda ao ar livre – com moscas por todo lado. En­tão, interrogava-me, quando via a carne à venda (incluindo a de por­co) se ela tinha sido inspeccionada pelas autoridades. Havia um lado de mim que não estava muito con­fortável com a atitude tão crítica com o que via no Roque. Este lado dizia que eu (alguém que tinha vivido muitos anos no Ociden­te, que tinha uma pouca ideia do que os angolanos haviam na ver­dade sofrido) estava a tentar fazer um julgamento de coisas que não entendia. Dizia-me ainda que de­veria reconhecer o facto de que o Roque Santeiro servia, principal­mente, como uma linha da vida para muitas famílias. Esta parte fez-me lembrar de uma prince­sa francesa que, como se diz, ao ouvir que o povo não tinha pão, sugeriu para que ele começasse então a comer bolos. 
Naquela primeira viagem ao Roque Santeiro, havia em mim uma outra parte que dizia que, se a África iria fazer parte da globa­lização, então tinha-se mesmo que criar padrões elevadíssimos na forma como as coisas passariam a ser geridas. O barulho do Roque foi, para mim, quase insuportável; parecia haver altifalantes por todo o lado. Em certos locais, havia até geradores a fazerem não só mui­to barulho mas também a emiti­rem gases desagradáveis. Naquela agitação toda, notei, porém, que havia muitas crianças a brincar; as senhoras do Roque Santeiro tinham que trazer os seus filhos para o trabalho. 
 
Como era de esperar, o anun­ciado fim do Roque está a resultar numa certa tristeza, mesmo por cá na diáspora. Um grande ícone de Luanda deixará, afinal, de exis­tir. O que Luanda precisa são vá­rios mercados populares. Em cer­tos países africanos, o ministério do comércio, muitas vezes, tem mesmo sectores que se ocupam dos pequenos comerciantes. 
 
E isto faz-me lembrar de uma situação de pequenos comercian­tes no Quénia. Há alguns anos atrás, havia muitos mercados anárquicos na capital quenia­na, Nairobi. A certo momento, começaram a surgir pequenos Roque Santeiros, onde se vendia, também, aparelhos electrónicos importados do Médio Oriente. Na altura, no Quénia, todos os bens electrónicos vendiam-se numa só rua, em lojas controladas por in­dianos e árabes, que pagavam à polícia para correr com os comer­ciantes ambulantes que estavam a causar uma queda no preço das coisas. Na sua campanha eleito­ral, o actual presidente, Mwai Ki­baki, prometeu aos pequenos co­merciantes que ele iria construir vários mercados onde poderiam vender os seus produtos. Depois da sua eleição, o governo de Ki­baki construiu mesmo vários mercados e a antiga rua onde se vendiam os aparelhos electróni­cos dos indianos e árabes deixou de existir. 
 

O desaparecimento do Roque Santeiro deveria, também, re­sultar na criação de vários bons pequenos mercados. E as comer­ciantes deveriam ter associações, lideradas por gente com integri­dade, que pode também velar pela sua formação. 

 

Ainda sobre a evacuação do Roque Santeiro, leia matérias relacionadas nos seguíntes links:  

 
 
 

Comentario

Uma mudança a muito esperada.

Cabuço | 11-09-2010

Penso que foi uma medida necessaria, eu a apoio a 100%, o Roque de hoje como foi de muitos anos (mais calmo), era o palco de muitos cenarios, desde a protistuição ao banditismo e era um enorme incomodo para a cidade (populares) e para os objectivos que se prendem com a organização do espaço geografico a nivel de serviços e não só.

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