27 de Maio: a tragédia que dilacerou o país

27 de Maio: a tragédia que dilacerou o país

 

É uma das páginas mais trágicas da história de Angola. Hoje sabe-se que o «fraccionismo» fora engendrado por um grupo de indivíduos próximos a Agosti­nho Neto, então presidente da Re­pública. Tratou-se realmente de uma «inventona» desses círculos para acabar com a intelectualida­de negra, para que o país ficasse refém dos não-pretos? Em sua de­fesa Nito Alves e seus companhei­ros andaram envolvidos em tiros com as tropas leais a Agostinho Neto, que, por sua vez, contou com a ajuda dos tanques cubanos para esmagar a suposta tentativa de golpe de Estado.

 

No mesmo dia, o «imbróglio» estava desfeito, mas começaria aí a mais sangrenta repressão de que se tem memória. Afinal, Neto tinha declarado que não haveria perdão. Matou-se então à farta, incluindo muitos inocentes, que sequer sa­biam se fraccionismo era o quê. Cometeram-se verdadeiros contra a humanidade nas prisões do Es­tado. Fala-se em mais de 80 mil mortes. O Governo, por seu lado, não confirma nem desmente. Nem passa as certidões de óbito… 
 
Conquistada a independência, em 11 de Novembro de 1975, em Angola, foi instaurado um regime marxista, que teve como presidente o médico Antó­nio Agostinho Neto, que chefiava, já lá iam 2 anos, o MPLA, um dos três movimentos emancipalistas que lutaram de armas na mão contra o regime colonial portu­guês. 
 
O MPLA confrontava-se com disputas intestinas das suas vá­rias tendências. A facção vitorio­sa de Agostinho Neto conseguiu subjugar os seus adversários das Revoltas Activa e do Leste. Esta última, então chefiada por Daniel Chipenda, fora completamente desmantelada da sua componen­te militar, tendo alguns dos seus membros sobreviventes ido in­tegrar as fileiras das FAPLA, do MPLA, do ELNA (FNLA) e as FALA, UNITA.
 
Por seu turno, os principais dirigentes da fac­ção Revolta Activa foram envia­dos para os calabouços da DISA, designação da primeira polícia política da República Popular de Angola (RPA), criada por De­creto-Lei presidencial. A DISA (Direcção de Informação e Segu­rança de Angola) era directamen­te dependente do presidente do MPLA e da República e orienta­da superiormente pela Comissão Nacional de Segurança do parti­do governamental. 
 
Na facção vitoriosa do MPLA havia duas alas fundamentais, a saber: a primeira tinha como ros­tos visíveis Lúcio Lara, Iko Carrei­ra, Ludy Kissassunda, Henrique Santos «Onambwe», Carlos Ro­cha «Dilolwa» e outros membros, provenientes, maioritariamente, do exílio do Congo-Brazzaville e da Argélia; a segunda facção era constituída por elementos oriundos da chamada 1ª Região Político-Militar, ex-presidiários dos campos políticos do regime colonialista, funcionários da ad­ministração pública e intelectuais e tinha como principais líderes «Nito» Alves Bernardo Baptista, José Van-Dúnem, Jacob João Ca­etano «Monstro Imortal, Manuel Bagê e outros. 
 
Ambas as facções declaravam publicamente fidelidade a Agosti­nho Neto, presidente do partido- Estado. O primeiro grupo consi­derava-se herdeiro dos princípios consignados no programa maior do MPLA, de defesa dos interes­ses das camadas mais desfavore­cidas da população e o segundo também se arrogava defensor dessa franja da população, mas com base na aplicação rigorosa do marxismo-leninismo 
na versão pró-soviética. 
 
As duas facções tinham po­der real dengtro do MPLA e no país. O grupo de Lúcio Lara tinha como principal suporte os meios de difusão massiva (rádio, televi­são e jornal estatais), os órgãos do aparelho central e provinciais do Estado e importantes franjas das Forças Armadas e da DISA. 
Por seu lado, Nito Alves exer­cia influência sobre as camadas jovens das FAPLA, segmentos inferiores da DISA, organizações de massas do movimento e sobre alguns governos provinciais. 
 
De ambos os lados eram emi­tidos sinais provocatórios, o que criava fortes sinais de instabilida­de nas áreas sob controlo do Go­verno, que constituíam mais de dois terços do território nacional. 
 
A DISA, cumprindo as directi­vas emanadas pela Comissão Na­cional de Segurança e do bureau político do MPLA, procedia à de­tenção dos principais elementos civis e militares conotados com a facção de Nito Alves, espalhados pelo país inteiro. Foi nesse con­texto que Nito Alves e José Van- Dúnem foram expulsos do comi­té central do MPLA e passaram a conceber a necessidade de mu­dança da direcção do país através de uma insurreição popular que tomaria as rédeas do movimento e do Estado. 
 
Com um alegado apoio tácito dos países da chamada comuni­dade socialista do Pacto de Var­sóvia e a promessa de não inter­ferência nos assuntos internos de Angola por parte do corpo expe­dicionário de Cuba, a facção de Nito Alves um levantamento em 27 de Maio de 1977. 
 
O «putsch» não teve êxito e a facção de Lúcio Lara, que sem­pre se mostrara fiel ao presidente Agostinho Neto, com o apoio di­recto das tropas cubanas, subver­teu a situação, tomando o seu con­trolo absoluto. Como resultado desse choque de facções, alguns dirigentes políticos, militares e do Governo com posicionamento próximo a Lúcio Lara acabaram por sucumbir no ardor da refrega. 
 
A resposta do Governo cen­tral não se fez esperar e na voz do próprio presidente Neto saiu a ordem para que não se perdoas­se nenhum «fraccionista», numa alusão aos apoiantes do movi­mento insurreccional de 27 de Maio. O pós 27 de Maio de 1977 foi a maior desgraça que se abateu sobre a terra angolana: famílias inteiras terão sido dizimadas. 
 
Quadros da função pública, militares e paramilitares, estu­dantes, professores, intelectuais com formação superior foram presos, torturados e muitos deles fuzilados. Na sua obra autobio­gráfica intitulada «O pensamento ideológico de Agostinho Neto, Iko Carreira, ex-ministro da De­fesa e membro da Comissão Na­cional de Segurança do MPLA, já falecido, afirma que, do seu conhecimento, foram fuzilados pouco mais de 200 angolanos li­gados ao «putsch» de Nito Alves. 
 
Os «fraccionistas», por seu lado, garantem que foram mais de 80 mil as pessoas vitimadas pela DISA. Na sequência dessa tragé­dia que se abateu sobre os ango­lanos, o ex-presidente cubano, Fidel Castro Ruz, deu a conhecer ao mundo que 60 mil seus compa­triotas foram enviados a Angola para que este país africano pudes­se fazer frente às dificuldades que enfrentava. 
 
A declaração do chefe de Es­tado de Cuba deu substância às informações que circulavam pelo mundo, segundo as quais, após o movimento de 27 de Maio em Angola, teriam desaparecido en­tre 30 e 60 mil cidadãos angola­nos em circunstâncias não es­clarecidas.
 
De uma forma geral, todas as famílias dos principais centros urbanos de Angola terão sido afectadas com a perda de um ou mais ente queridos após a eclo­são do 27 de Maio. O tecido social angolano foi assim fortemente abalado no que de mais nobre possuía: estudantes, quadros ad­ministrativos e político-militares, assim como intelectuais dos mais variados ramos do saber desapa­receram do mundo dos vivos sem deixar rasto.
 
Com o esmagamen­to da oposição interna, o regime do MPLA tornou-se mais agres­sivo e monolítico, não dando tré­guas a qualquer voz dissonante, utilizando para tal os órgãos de repressão, com especial destaque para a sua polícia política, a tene­brosa DISA. 
 
Quem se atrevesse a expressar publicamente opinião diferente da do regime incorria na severa pena atribuída aos crimes contra a segurança do Estado. Apesar do reforço interno do regime, a situação social das populações deteriorava-se progressivamente, o que terá contribuído, sobrema­neira, para o desenvolvimento do crescimento da rebelião armada encetada pela UNITA de Jonas Savimbi, com ao apoio multifor­me da administração norte-ame­ricana e o então regime segrega­cionista sul-africano. 
 
Muitos combatentes e estra­tegos das forças governamentais com larga experiência na arte e ciência militares foram elimina­dos fisicamente no 27 de Maio, o que terá provocado significativas fissuras na estrutura castrense da República Popular de Angola. 
 
As hordas militares provenien­tes de Cuba não combatiam di­rectamente a rebelião da UNITA e só o faziam em retaliação em retaliação a qualquer ataque dos homens comandados por Jonas Savimbi às suas posições. 
 
Não é por acaso que muitos analistas de distintos quadrantes consideram as purgas verificadas após o movimento de Maio de 77 uma das causas da diminuição e prontidão combativa das forças governamentais angolanas que em finais da década de 70 e na primeira metade dos anos 80 do século passado permitiram a ex­pansão da guerrilha do galo ne­gro, que, dos confins do Kuando Kubango, emergiu para todas as províncias do país, incluindo o enclave de Cabinda.
 
A desconfiança e a intolerân­cia invadiram o quotidiano dos angolanos e o tempo encarregou-se de mostrar a todos que, afinal, não foram os seguidores de Nito Alves, os chamados «fraccionis­tas», os causadores de todas as desgraças que se abateram sobre Angola. 
 
Com a derrota dos «fraccionis­tas», cresceu a delinquência, os crimes de sabotagem económica, o garimpo e tráfico ilegal de dia­mantes, a corrupção generalizou-se em todas as áreas da vida na­cional e, para o cúmulo de tudo isso, a guerra fratricida entre as forças governamentais e as forças militares da UNITA perduraria até 25 anos após os acontecimen­tos de 27 de Maio de 1977. 
 
Conquistada a paz em 2002, ainda estão inscritas no solo an­golano as páginas do maior ge­nocídio qualificado ocorrido em Angola. 
 
 
Fonte: SA
 

 

 

Comentario

Nunca vamos esquecer a tragédia sangrenta que fez o MPLA!

MILHORRÔ | 25-11-2010

Angola está sendo governada pelos extrangeiros. 27 de Maio é uma data triste para os Angolanos. Um dia a justica chegará.
O Senhor que ordenou a matanca toda hoje em dia é falecido, e dizem que ele é herói nacional: Isto só poderia ser mesmo em Angola desiquilibrado.

Re:Nunca vamos esquecer a tragédia sangrenta que fez o MPLA!

angola chora | 28-05-2011

seram todos julgados pelo POVO

O passado

Qualquer | 21-11-2010

É bom para angola aparecerem pessoas corajosas que de forma aberta reletem o que de facto sucedeu.
Os erros não apreciados e corrigidos tem a má fama de retornar já numa versão mais tragíca.
Pelos vistos há quem esta a carregar sozinho, o fardo dessa tragédia.
Critica-se muito o proceder da juventude actual, bastante violenta, tudo bem mas vendo bem,a falta de referência,de modelos socias encontra a justificação no vazio geracional, fruto do 27.
É deprimente vagueiar na sua própria história como um intruso.
Quanto a negros e mulatos varrerem as ruas junto, julgo que dependerá do lixo.

Bairro azul, Luanda

Adão Francisco Caetano | 20-11-2010

Ate hoje nunca entendi bem esta historia nao sei se algum dia alguem vai contar a verdade como realmente se passou, e sem demagogias.

27

ex-colono | 19-11-2010

Vamos lá ver.Se hoje chegarem a um país recente e á revelia da cultura do povo, começarem a doutrinação massiva das teorias comunistas não tarda nada que aconteça o que vos aconteceu.Coisas aberrantes coladas com cuspo e com armas na mão são perigosíssimas.O mundo gira lentamente e quem vier prometer mundos e fundos com "transformações" pá tem dado sempre o mesmo resultado em todo o lado...Foi assim na URSS, na China, em Cuba , no Camboja e tomem atenção á Venezuela...Milhões de mortos conseguidos com o destilar do ódio de uns contra outros e sem motivos reais...
E atenção que as ideias que vos andaram a vender andam nas vossa cabeçinhas.Notam-se bem em muitos comentadores que de certeza foram profissionais agora no desemprego...

Aqui esta o partido e as pessoas que o povo merece

Minu | 18-11-2010

Viva o Mpla o partido do povo, viva o poder popular, viva o heroi imortal guia da nação Dr. Antonio A. Neto... viva o nosso glorioso Mpla....hummmm voces respondem VIVA.....

Re:Aqui esta o partido e as pessoas que o povo merece

Owanga | 21-11-2010

As causas justas dos povos sempre triunfam. Viva Angola; Viva a Bravura deste POVO Heroico.

A tua Resposta

Maxinde | 18-11-2010

Nito Alves so queria ver tambem brancos e Mulatos a varrer as ruas infilzemente este sonho deste grande compatriota esta muito longe acontecer e agora cada vez mais longe.

Re:A tua Resposta

Puro Laton- Uk | 18-11-2010

Então ele era racista?

Re:Re:A tua Resposta

Versão integral | 20-11-2010

Dircurso de Nito Alves no Comício de Encerramento da Campanha Eleitoral para os Órgãos do Poder Popular no dia 5 de Julho de 1976: "No dia em que em Angola os cidadão varredores de ruas forem não só negros, mas mestiços e brancos também, o racismo desaparecerá. No dia em que os camaradas angolanos de origem europeia puderem de pleno direito ascender a militantes, até aos mais altos órgãos do aparelho do MPLA ou do Partido, no dia em que esses camaradas de origem europeia e que são angolanos de facto e de direito e representam uma consciência revolucionária muito acima do progressismo ordinário, puderem, em pé de igualdade, ascender às responsabilidades administrativas e outras no aparelho de Estado, o racismo, nesse dia, desaparecerá".

Re:Re:Re:A tua Resposta

Estudante angolano - UAN | 20-11-2010

Pelos vistos o senhor está bem informado. Esse extracto revela que Nito nao fez apelação ao racismo, mas sim ao Não-racismo. Pelos vistos naquela altura havia muito racismo ainda. De que lado partia o racismo? Ate que ponto Neto esteve envolvido na ostracizaçao de Nito Alves e na sua morte? Quem teve mais influencia, neto ou Lucio Lara?

Neto é o nosso heroi.

Agostinho Gomes | 18-11-2010

VIVA AGOSTINHO NETO. VIVA O MPLA. AH..E VIVA JOSE EDUARDO DOS SANTOS.

nito alves e agostinho neto

puto zeca do do alvalade | 18-11-2010

tenho uma pergunta a fazer a todos os kotas que sabem:

dizem que nito alves se revoltou pra fazer guerra contra os brancos e mulatos pq ele era racista!

essa teoria é verdadeira???? alguem conta os factos para nos nao ficarmos a falar a toua?

obrigado.

Re:nito alves e agostinho neto

angola chora | 28-05-2011

ser patriota nao significa racismo. o branco e o maior racista no mundo. Diz-me la: sera que no ano 1975 Portugal aceitaria um pretos na lideranca de seu pais? NAO, e a resposta.
Primeiro o angolano, o angolano sempre. venderam o pais aos brancos.

Esqueçam o 27 de Maio

Zangado | 18-11-2010

Caros cidadãos angolanos! Ponham na cabeça de uma vez por toda, que podem falar do 27 de Maio, quantas vezes que quizerem, mas nunca vai se fazer nada em relação à este acontecimento tão triste, porque quem mandou executar as pessoas já morreu, e por incrível que pareça ainda é considerado o maior heroi nacional!
Haja coragem!

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