"Em Angola até hoje não se lutou pela democracia, luta-se pelo poder", Nelo de Carvalho.

Reação de Nelo de Carvalho em relação ao último comunicado emitido pelo Bureau Politico do MPLA.

Até parece que o MPLA atirou no escuro. Se atirou acertou!

E a acusação é a seguinte: “Angolanos na diáspora e dentro do próprio país estão sendo recrutados e persuadidos para fazerem trabalhos sujos e difamatórios contra o Governo Angolano”.Vamos partir do princípio que isso não constitui segredo nenhum, sempre existiu. São técnicas repetitivas que há mais de trinta e cinco anos expuseram o país a todos os tipos de provas. Foi precisamente esse procedimento e técnicas de recrutar angolanos dentro e fora do país, que fez com que o MPLA de maneira “solitária” declarasse a independência de Angola em 1975. E que hoje é visto pelos derrotados como o golpe de Estado que o MPLA protagonizou para permanecer no poder.

É com esse tipo de sujeira que o outro lado posicionou-se escandalosamente, sem caráter e sem vergonha ao lado do regime do apartheid, considerado na história como a traição mais absurda que alguém possa cometer contra a sua própria pátria: a traição de Jonas Savimbi.

Dizer que o MPLA é o mesmo de sempre, porque repete as mesmas acusações, pode não ser a verdade das verdades, mas com certeza é verossimilhante. E para fazer valer este último adjetivo só precisamos pensar que a evolução dos eventos numa sociedade, de geração em geração, tem a trajetória de uma espiral. Se todas as “circunferências” da espiral tiverem o mesmo diâmetro e projetadas cada uma no mesmo plano, então a culpa também é dos nossos adversários, que há mais de trinta e cinco anos usam os mesmos procedimentos: contratar lacaios e mercenários, internos e externos, para continuarem a fazer trabalhos que não sejam do interesses da nação angolana. Estou supondo que os pontos de cada uma das circunferências coincidiriam sobre o mesmo plano.

A democracia é hoje um processo que interessa a todos os angolanos; de 1975 a 1988, diante de um regime de partido único grupos adversários traíram, mataram; enfim, tudo o que se podia fazer contra um país para se chegar ao poder com o objetivo de responder ansiedades de patrões no exterior foi feito. E hoje a história repete-se, mesmo diante de um regime democrático; é a prova de que todos os presunçosos grupos que lutaram pela democracia nunca, na verdade, estiveram interessados por ela. 

Em Angola até hoje não se lutou pela democracia, luta-se pelo poder. Uma luta onde não se identificam adversários, mas amigos e inimigos, uma luta que até hoje, mesmo com o fim da guerra se posiciona nos extremos: a guerra civil. Uma guerra em que cada uma das partes, amigos e inimigos, identifica o outro como um bárbaro a ser eliminado. Nunca a guerra entre os angolanos, em tempos modernos, ou até históricos, limitou-se aos angolanos. Somos sempre um bando de paus mandados a serviços de estrangeiros. E isso vem acontecendo dia a dia, semana a semana e de anos em anos.

A acusação dos dirigentes do MPLA, mesmo sendo como um disparo de um cego na escuridão foi certeira. E não se pode só acusar os diferentes grupos políticos e intelectuais de agirem como um bando de mercenários contra o seu próprio povo, pais ou nação.

Aquele partido no poder precisa estender sua mão a toda massa cinzenta dentro e fora do país e não continuar a ver estes como simples inimigos a serem acusados de obstruír a obra que só o MPLA no poder sabe e pode construír. A pergunta é: que obra é essa que só tem a assinatura daqueles que estão no poder? Devemos ter coragem e sangue frio para reconhecer que a democracia é obra de todos. Mesmo quando a parte adversária, vulgo oposição política, não pense assim. Estes chegam a ser mais perversos e reacionários do que quem está agarrado ao poder, mas nem por isso o MPLA deve perder a postura.

Repetimos: as acusações são justas, sim! Mas como evitar que um “exército” de angolanos fora ou dentro do país sirva a interesses alheios á nação que lhes viu nascer?! Quando a democracia não oferece mecânismo e instrumentos de oportunidades para que todos possam se sentir a altura de exercer a mesma, sem que alguns, até mesmo por leis, recebam mais proteção que os outros.

Democracia não é simplesmente a luta pelo poder usando-se as instituições, supostamente seguras e estáveis, quando elas não existem; também, é o exercício da competência de maneira justa e oportuna para todos, num mundo de tanta concorrência. Em outras palavras, para sermos mais diretos e seguros no que estamos dizendo: é fazer cumprir todas as leis, entre elas, a famigerada Lei de Improbidade Administrativa -já muito mal elaborada de inicio e longe de ser algo transparente; é criar uma Lei de Licitação e Concursos Públicos, onde cidadãos e instituições, privadas ou públicas, possam espelhar suas ambições e competências. Democracia é fazer funcionar o Poder Judiciário de maneira autônoma, independente e transparente.

Ainda assim, somos de opinião de que o mercenarismo não se justifica diante do fracasso de nós os angolanos chegarmos ao entendimento de resolvermos os nossos problemas. Se partirmos do princípio que todos têm os seus problemas e nem por isso o resto do mundo sai por aí batendo as nossas portas ( a dos angolanos).

E entre angolanos, sempre fui e sou de opinião de que só o MPLA tem condições de estar na Vanguarda entre todos os grupos sociais e partidos que aparecem e reaparecem. Isto, também, significa que a maior das iniciativas para nos livrarmos de certas crises em que estamos envolvidos pode vir sempre desse partido. Se o MPLA há mais de vinte anos teve que optar e ceder pela economia de mercado sem os constrangimentos habituais, que no fundo constitui um esforço colossal. Em termos políticos, para com os próprios angolanos, não se libertou tanto assim. O MPLA continua a dar a impressão de ser uma seita política fechada de amigos e camaradas. Chegou a hora – e sem medo, que até agora caracterizou a todos nós- de transformar de verdade esse partido numa nação. De parar com a velha mania assustadora, fóbica e obcecada de tratar todos os seus críticos em inimigos potenciais e até mesmo da Pátria.

Não se trata aqui, de nenhuma maneira, de fazer um suposto jogo ao adversário político, mesmo porque esse jogo se existir o MPLA jamais sairá perdendo. Trata-se de incluír a oposição a exercer o seu direito de democracia nos termos da lei. É duro e penoso ter que reconhecer aqui, mas enquanto o MPLA existir em função de dar proteção especial a certas personalidades, a democracia em Angola estará na corda bamba. Enquanto a oposição não exercer o seu direito de fiscalizar de maneira plena os atos daqueles que estão no poder, o MPLA agirá como um “criminoso” e pecador, ainda que sejam sob mínimas suspeitas. E não adianta argumentar que eles da oposição são uma minoria. A resposta é: enquanto esta minoria tiver uma simples representação no parlamento terá que exercer o seu direito de fiscalizar.

Em qualquer obra, onde se exige eficiência e transparência de custos, não é normal que quem construa a obra seja o fiscalizador. Diante de todas as crises políticas e sociais que a sociedade angolana atravessa, e do papel de Vanguarda que o partido no poder tem como missão, medidas esdrúxulas, às vezes, para se sair de crises com ciclos viciosos de permanencia, são necessárias. 

O Tribunal de Contas de Angola e a Procuradoria Geral da República ( ou Ministério Público) são produtos gerados no meio de tantas falsidades; representam, definitivamente, o atraso de uma era, um produto do anacronismo de um tempo em que uns, na sua incapacidade e incompetência, tentam se agarrar a qualquer custo àqueles tempos. Aquelas duas instituições são as partes mais doentias do atual Estado Angolano, mas também uma das mais necessárias, que, infelizmente, não evoluíram e estão mortas e fossilizadas como uns verdadeiros dinossauros.

O porquê desta passagem? Porque é nestas instituições onde a jovem democracia angolana deveria aprender a ensaiar o seu espírito. E elas deveriam se abrir mais a toda sociedade e livrarem-se da submissão do Camarada Presidente e de quem quer que seja. 

Ironia ou não, são as duas instituições que deveriam transportar Rafael Marques num berço de ouro. Este, um anti-comunista que odeia o MPLA e que está a serviços de estrangeiros, ou que ao menos recebe alguma recompensa destes...mas e daí? O que faz a democracia Angolana para evitar isso, e resgatar o seu melhor investigador sobre corrupção e desmando da administração pública por certas personalidades protegidas por leis que eles mesmos fizeram para si.

Rafael Marques pode ser o que é, mas não pode ser desqualificado e ser entregue a estrangeiros, para depois ser considerado como inimigo da Pátria. O que menos precisamos nesse momento é um Rafael Marques sendo militante do MPLA e inscrito em suas fileiras, como mais um militante a mando das ordens do Camarada Presidente! Essa farsa, felizmente, o MPLA não vai ter a seu favor. Mas pode ter o mesmo como um militante cívico da democracia. Assim, saciará a sede de todos por uma transparência que tanto a sociedade angolana precisa beber.

E é aqui onde vem a resposta que ninguém gostaria de ouvir, que jamais ninguém na pele deste articulista gostaria de pronunciar. Mas “nós os comunistas” temos certas manias: não resistir diante de factos e evidências –é uma imitação vaga do homem à natureza! Os Angolanos só se vendem aos estrangeiros, às vezes, prestando serviços sujos, porque nossa democracia está longe de absorver seus serviços, que em muitos casos poderiam ser muito mais dignos para a nação.

 Mas cuidado é preciso não confundir os eventos desastrosos e incompreensíveis da nossa história, e sermos cautelosos, já que tudo nessa vida tem limites. Assim, as traições savimbistas e de seus homens não são corroborados pelas argumentações aqui expostas. 

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